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sábado, setembro 08, 2018

“Sistema político é feito para eleger sempre as mesmas pessoas”

Procurador diz que povo quer um político honesto e ele preenche esse requisito 
O procurador Mauro, que disputa eleição ao Senado Federal
Aos 43 anos e com seis eleições disputadas, o procurador da Receita Federal, Mauro Lara de Barros (PSOL) se prepara para encarar as urnas pela 7ª vez, agora pleiteando uma das duas vagas ao Senado Federal.

Nesta semana, em entrevista, o procurador Mauro disse se considerar o “novo” na política e não poupou críticas ao sistema político brasileiro que, segundo ele, é feito “para eleger sempre as mesmas pessoas”.

“Muito embora a gente já dispute eleição desde 2006, ainda não tivemos mandato. Me considero ‘o novo’ porque a população quer o político que seja honesto, que não esteja comprometido com interesses [de grandes empresários], que não pratique corrupção. Todos esses requisitos nós preenchemos”, afirmou.

“Sabemos da dificuldade, porque o sistema político é fechado, é feito para tentar eleger sempre as mesmas pessoas. Um exemplo é o horário eleitoral. Diz que estamos numa democracia, mas uma candidatura tem dez segundos e outras mais de 3 minutos. Quer dizer, um sistema totalmente injusto. Reflete muito o que é o Brasil: um sistema injusto para que os de cima continuem em cima e os de baixo continuem em baixo”, acrescentou o candidato.

Me considero ‘o novo’ porque a população quer o político que seja honesto, que não esteja comprometido com interesses (de grandes empresários), que não pratique corrupção. Todos esses requisitos nós preenchemos

Ainda durante a entrevista, ele fez uma análise sobre seus principais adversários na disputa, os quais ele acredita representar “velhas práticas políticas”. Avaliou ainda, o governo Pedro Taques (PSDB) – que disputa à reeleição. Para ele, há um sentimento de “grande frustração” em relação a atual gestão.

“Ele, na verdade, manteve todas as práticas políticas que na eleição ele disse que seriam rompidas. Esse governo não tem diferença do governo Silval Barbosa.Tanto que esquemas de corrupção, esquemas de governo, de loteamento de secretarias, que existiam em governos anteriores, foram todos mantidos no atual”, disse.

O procurador também falou de sua decisão em concorrer ao Senado e seus projetos, caso seja eleito, sobre uma eventual candidatura do ex-presidente Lula, além de tecer críticas à gestão do prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB).

– Gostaria que o senhor nos explicasse o porque da desistência da candidatura ao Governo para tentar uma vaga ao Senado. Essa mudança foi em função da sua leitura e de seu grupo de que uma candidatura ao Senado lhe daria maiores condições de vitória?

Procurador Mauro – Dentro do partido, nós vínhamos trabalhando essa questão, tínhamos cinco pré-candidatos ao Governo. Tínhamos uma leitura de que poderíamos conseguir, agora em 2018, o que não conseguimos em 2016 [disputa à Prefeitura], que era chegar ao segundo turno e, com isso, ter igualdade no tempo eleitoral.

Tentamos isso em 2016. Para se ter uma ideia, naquela ocasião, tínhamos duas inserções na televisão, enquanto Wilson Santos tinha 45 e Emanuel Pinheiro 50. Se a gente fosse para o segundo turno, a gente teria 70. Seria uma condição de igualdade. Trabalhamos muito para isso, mas não conseguimos chegar. Pelo cenário político atual, acreditávamos que pudéssemos chegar ao segundo turno agora em 2018. Mas avaliamos também junto com a direção a possibilidade de candidatura ao Senado e também levamos em conta que o partido tinha outros pré-candidatos.

Fizemos análise de conjuntura, das demais chapas que foram sendo construídas, a quantidade de candidatos, a região de cada um deles e fizemos esse cálculo político de que, se tínhamos chance de chegar ao segundo turno para governador, a chance de ser eleito senador numa eleição de dois votos se tornaria maior. Acredito que o cálculo foi correto, estamos no caminho correto.

Saíram algumas coisas na mídia, dizendo que haveria dedo de outro partido na nossa decisão. Isso é algo totalmente absurdo. Porque quem conhece a gente - vocês nos conhecem desde a primeira vez que lançamos a candidatura - sabem que nossa prática política não é essa. Tanto que não fazemos aliança, impossível qualquer coisa nesse sentido.

 – O senhor está se referindo à acusação da ex-juíza Selma Arruda de que o deputado Nilson Leitão teria fomentado essa sua decisão de sair ao Senado?

Procurador Mauro – Isso. É uma acusação totalmente absurda. Fica difícil até você responder, porque é algo totalmente absurdo. As demais candidaturas, nós sabemos que houve um namoro entre um e outro candidato. Candidato que hoje está numa chapa e que estava em outra. De nossa parte não. Tínhamos uma resolução de Congresso, de outubro de 2017, que nós já tínhamos decidido que não faríamos aliança com nenhum outro partido. Foi uma questão de tática eleitoral e decisão do partido.

– Como está a campanha até o momento, em questão de estrutura? Pretende gastar quanto? Está recebendo doações? O partido garantiu recursos?

Procurador Mauro – Temos uma campanha modesta, como sempre. A direção nacional do partido encaminhou R$ 100 mil para as campanhas do Estado. Em valores aproximados, R$ 15 mil para governador, R$ 15 mil para os dois senadores, R$ 40 mil para os deputados federais (10) e R$ 30 mil para os estaduais (3). Então, nesse momento, o que estaria destinado para nossa campanha é R$ 7,5 mil. Não estamos fazendo uma campanha de doações privadas. Primeiro que nunca fizemos campanha com doações de empresas, sempre com doações de pessoas físicas. Temos voluntários trabalhando nas campanhas. Então não estamos muito preocupados em fazer arrecadação de recursos. Vamos fazer com os recursos do partido.

Até porque esses R$ 100 mil que vieram da direção nacional estão sendo gastos de maneira coletiva. Contratou um advogado, produtor, contador, acaba que parte dessa despesa é rateada entre todos os candidatos. Temos uma promessa de um aporte financeiro maior do partido, para que possamos ser tratados como prioridade, mas ainda não tem definição.

– Falando sobre esse pleito, por exemplo, o senhor pode ser chamado de um fenômeno eleitoral. Estava trabalhando um projeto ao Governo, decidiu sair ao Senado e está em segundo lugar nas pesquisas. A que atribui isso?

Procurador Mauro – Temos uma política de não comentar pesquisas. Eu atribuo às sucessivas votações que temos tido, que consideramos muito relevantes à história política que a gente vem construindo, a coerência política que a gente vem construindo. Acredito muito nisso, que cada vez mais as pessoas estão vendo o tipo de política que a gente quer fazer. O que a gente propõe é uma política limpa, honesta, que defenda os interesses do povo e não esteja preocupada apenas em vencer por vencer.

Sempre tivemos muita clareza disso, de que a gente pretende vencer, mas de maneira correta

A gente tinha uma leitura muito clara em 2014 [quando concorreu ao Senado] de que a gente precisaria de um resultado muito grande para conseguir vencer. A gente sonhava, evidentemente, em chegar num coeficiente de até 170 mil votos. Infelizmente, tivemos 84 mil, o que já foi uma votação que nos colocou entre os oito, mas que não foi suficiente pra obter o mandato.

Sabíamos também que não valia à pena ter uma votação menor em outra coligação e ter um mandato sujo por estar em campanhas que estivessem utilizando recursos que não eram devidos ou em campanhas de pessoas que não defendiam as mesmas ideias que a gente. Sempre tivemos muita clareza disso, de que a gente pretende vencer, mas de maneira correta.

Em 2014, por exemplo, eram permitidas as doações de empresas. Sabemos que há candidatos que fizeram com R$ 1 milhão, R$ 2 milhões, R$ 30 milhões e sabemos que essas pessoas acabam comprometidas com os interesses de seus financiadores. Nunca quis fazer campanha dessa forma. Penso que, dia após dia, eleição após eleição, a população tem percebido que a gente de fato quer isso, representar o interesse do povo.

Vejo também que a população está cada vez mais participando politicamente do debate, se conscientizando, acompanhando a política no dia-a-dia. E cada vez que a pessoa vai acompanhando, ela vai vendo o que ela quer e o que não quer. Vejo que as pessoas estão mais politizadas.

 – Há um anseio muito evidente do eleitorado pelo novo, rejeitando os políticos tradicionais, com velhas práticas. O senhor se considera o novo?

Procurador Mauro – Com certeza. Muito embora a gente já dispute eleição desde 2006, ainda não tivemos mandato. Me considero novo porque isso que você está dizendo, que a população quer o novo, significa que a população quer o político que seja honesto, que não esteja comprometido com interesses, que não pratique corrupção. Todos esses requisitos nós preenchemos.

Estamos aí desde 2006, demonstrando isso, que a política que a gente acredita é essa. A população quer um candidato que não esteja financiado por um grande empresário, então consideramos que o que nós apresentamos desde lá atrás – e não mudamos essa linha política – é exatamente isso que a população está querendo.

Sabemos da dificuldade, porque o sistema político é fechado, é feito para tentar eleger sempre as mesmas pessoas. Um exemplo claro disso é a divisão do recurso eleitoral que foi feita com base nas bancadas eleitas em 2014. Todo mundo sabe que teve dinheiro da Odebrecht, da JBS, que elegeram aqueles candidatos que estão lá, muitos deles na Operação Lava Jato, e isso contou na divisão do tempo e do recurso eleitoral. Quer dizer: é um sistema injusto. A tendência, com isso, é tentar cristalizar o que já estava pronto, as mesmas pessoas.

Nós estamos tentando trabalhar para romper com esse sistema. Mas há muita dificuldade. O horário eleitoral é outro exemplo. Nos foram designados 10 segundos. O que você comunica nesse tempo? Muito difícil. Diz que estamos numa democracia, mas uma candidatura tem dez segundos e outras mais de 3 minutos. Quer dizer, um sistema totalmente injusto. Reflete muito o que é o Brasil: sistema injusto para que os de cima continuem em cima e os de baixo continuem em baixo.


 – Como o senhor avalia as candidaturas adversárias, os nomes colocados na disputa, como, por exemplo, de Jaime Campos e Nilson Leitão, que, obviamente, representam aquilo que está aí. Como o senhor se contrapõe a isso?

Procurador Mauro – Na verdade, temos optado nessa eleição em fazer o seguinte contraponto: a ficha corrida dos adversários a população conhece. A gente tem optado por falar, estamos apresentando nossa candidatura, que a gente entende que é diferente. E temos optado por nem comentar essas demais candidaturas, pois entendemos que realmente representam essas práticas políticas que a gente está tentando romper. Mas a gente não vai pontuar candidato por candidato, porque acredito que nessa época de tanta informação chega a ser um dever do eleitor se informar sobre a história dos candidatos, a vida, o que eles representam.

Temos optado por nem comentar demais candidaturas, pois entendemos que realmente representam essas práticas políticas que a gente está tentando romper

– Que análise o senhor faz a respeito do atual governo, considerando crise econômica nacional, considerando dificuldades de caixa, mas também o estilo do atual governador, bem como as denúncias envolvendo a atual gestão, como grampos, fraudes na Seduc, Detran, operação envolvendo a Caravana da Transformação?

Procurador Mauro – Na verdade vejo o governo como uma grande frustração de parte da população que o elegeu. Ele, na verdade, manteve todas as práticas políticas que na eleição ele disse que seriam rompidas. Esse governo não tem diferença do governo Silval Barbosa. Tanto que esquemas de corrupção, esquemas de governo, de loteamento de secretarias, que existiam em governos anteriores, foram todos mantidos no atual.

Sobre esse Governo, a única avaliação que podemos fazer é que não tem diferença da gestão Silval, do Blairo Maggi. Tanto que figuras políticas que sempre transitaram com todos esses governos também são figuras proeminentes no atual. Foi eleito com uma grande votação, pensando em mudanças de práticas e não houve. A gestão, a prática, o estilo de fazer política repetiu o que já existia: o prometer e não cumprir, as práticas de corrupção. Até esquemas de corrupção de governos anteriores foram mantidos. Como é o caso da operação que apura fraudes no Detran. As figuras que se repetem também nos governos mostram também que a prática e a gestão são a mesma coisa. Não tem diferença. É, na verdade, uma grande decepção para a população.

 – Em relação aos demais candidatos mais bem colocados ao Governo, no caso, Mauro Mendes e Wellington Fagundes, que análise o senhor faz dos perfis de cada um deles?

Procurador Mauro – Temos uma análise bem clara desses três [Taques, Mauro e Wellington]: fazem parte do mesmo grupo político. Você vê que é até estranho para quem acompanhou a pré-campanha, pessoas que estavam num grupo pularam pra outro na hora de formar as chapas. Quer dizer, não tem diferença. Tem candidato que num dia estava numa chapa, no outro dia estava em outra. A visão é muito clara de que, no final das contas, é aquela velha expressão: “farinha do mesmo saco”.

Quando você olha a mistura dos grupos, você vê que na verdade essa disputa aparentemente é um faz de contas. Por isso que a gente acredita que as candidaturas do PSOL são uma verdadeira opção de mudança. Tenho certeza que esses três são um único grupo. Essa divisão é de mentira, feita somente no período eleitoral, e depois volta tudo ao normal, com eles todos juntos.

Temos uma análise bem clara desses três [Taques, Mauro e Wellington]: fazem parte do mesmo grupo político. É aquela velha expressão: 'farinha do mesmo saco'

– Ainda falando sobre a campanha, em tese o senhor tem uma votação mais expressiva na Baixada Cuiabana e maior dificuldade de conquistar votos no interior do Estado. Isso é algo que lhe preocupa? Pretende ir até o interior?

Procurador Mauro – Como disse, temos quase que a garantia de que chegarão recursos para a campanha. Com esses valores, nós vamos começar a percorrer o Estado e consiguir interiozar a campanha.

Mas também estamos num momento de mudança. As informações chegam mais rapidamente no interior e, além disso, estamos tendo muito contato de pessoas do interior pedindo material de campanha para divulgação. Acredito que conseguiremos fazer as viagens em muitas cidades – não na quantidade que a gente entende que deveria – mas vamos conseguir. E também conseguiremos mandar material e contar com auxílio dessas pessoas que são voluntárias.

Em 2016, fizemos muito isso em Cuiabá, essa parceria com os voluntários, e conseguimos uma expressiva votação. Fizemos campanha de prefeito, em que quase fomos para o segundo turno e não tínhamos nenhum cabo eleitoral contratado. Todos os que estavam na nossa campanha eram voluntários. Nesse momento temos uma quantidade imensa de pessoas entrando em contato com a gente e que se dizem prontas para ajudar na campanha.

– Caso seja eleito ao Senado, qual será seu plano emergencial em relação a Mato Grosso? O que pretende fazer logo no início do seu mandato?

Procurador Mauro – Acredito que a primeira coisa que tem que ser feita no mandato de senador é se preocupar realmente com os interesses da população. Precisamos, como senador, fazer a rediscussão do pacto federativo. Tratar da reforma trabalhista, que é algo que precariza no Brasil todo, a questão de impedir a reforma da Previdência. São muitas coisas que precisam ser feitas.

Mas aqui em Mato Grosso, emergencialmente, a figura do senador deve fazer uma das funções que acabam esquecendo. O senador tem como função tanto legislar, votar orçamento e também tem a função importante que é a da fiscalização, que não foi feito.

Se olharmos, por exemplo, as obras que estão inacabadas aqui em Cuiabá, no Estado, a maior parte delas recebeu recursos federais. Era função dos parlamentares de Mato Grosso, tanto deputados, quanto senadores, fiscalizar essa execução, o que não ocorreu. Na verdade, quando vamos olhar a questão das obras da Copa, por exemplo, vemos que todos os órgãos de controle falharam. Falharam Ministério Público, Tribunal de Contas, este, inclusive, a gente viu várias pessoas afastadas porque faziam parte desse sistema. O MPE, que esperou todo esse recurso ser dilapidado, para tomar providências. E os parlamentares falharam porque não exerceram essa função importantíssima que é fiscalizar. Um bom parlamentar, fiscalizando a correta aplicação do dinheiro público, impede essa dilapidação do patrimônio.

É preciso também se atentar e incentivar a questão da transparência do Governo. Temos um Portal de Transparência, mas quando o cidadão entra nesse portal, as tabelas, os dados são muito complexos. Apenas pessoas com conhecimento de administração pública conseguem decifrar fatos dessas tabelas.
AlairRibeiro/MidiaNews
"Na verdade, quando vamos olhar a questão das obras da Copa, por exemplo, vemos que todos os órgãos de controle falharam"

– Há algumas críticas recorrentes em relação ao senhor. Muitos dizem que virou “candidato profissional”, outros que participa de todas as campanhas para ter direito a licenças e remuneração. Como recebe essas críticas?

Procurador Mauro – O que vejo é o seguinte: com relação à licença, bem rapidamente, temos diversos servidores que são candidatos e têm licença. É algo da lei, se você não se descompatibilizar, você não pode ser candidato e fica inelegível. É uma exigência legal. Quem é trabalhador, vive de salário. Não tenho renda, não tenho bois, eu vivo do meu salário.

Com relação à atuação política, temos atuação dentro do partido. É obvio que nesse período intraeleição eu faço meu serviço como procurador e também tenho a banda onde canto junto com meus irmãos [Os Ciganos]. E tem a atuação dentro do partido, sim. Mas é evidente que um partido pequeno como o PSOL não tem tanta exposição como os grandes. Vejo também que geralmente quem tem mais exposição é quem tem mandato. Sem mandato, é muito difícil ter uma estrutura. O PSOL é um partido pequeno. Como vamos montar, vamos dizer assim, um “poder paralelo”? Não temos essa estrutura. Diferente de quem tem mandato e tem a função de fazer política 24 horas por dia e é remunerado para isso.

Outro aspecto, falando mais sobre esse período de pré-campanha, muitas coisas não podiam ser feitas. Nós tínhamos a pré-campanha liberada, mas algumas coisas vetadas. Como tínhamos dúvida muito grande e temos feito campanhas sempre muito corretas – estou na sétima disputa e nunca sofri uma multa da Justiça Eleitoral – optamos, nesse período, por ter o cuidado de não fazer a pré-campanha, justamente em função dessa dúvida sobre o que pode e o que não pode. Se o TRE me aplica uma multa de R$ 50 mil, inviabiliza a campanha. E também, convenhamos, muita gente que deu entrevista e fez a pré-campanha estava abusando, estava fazendo campanha mesmo. 

– Como o senhor se classifica nesse espectro político?

Procurador Mauro – Eu tenho um livro do Norberto Bobbio, que fala sobre direita e esquerda, que ele escreveu na década de 90, em que ele falava que havia muita dúvida se existia esquerda e direita. Ele falava qual o ponto que define a principal diferença entre esquerda e direita. Ele falava: a direita acha que a desigualdade não é um problema, é algo natural. E a esquerda acha que a desigualdade não é natural e nós precisamos trabalhar para reduzi-la. Então, como quem trabalha para reduzir as desigualdades, me considero de esquerda.

Temos falado muito, por exemplo, sobre a questão tributária. Existem vários artigos, vários estudos, mostrando como é a tributação no Brasil. Um sistema em que impostos é muito forte na base da pirâmide, nos mais pobres, e é extremamente leniente com os mais ricos. Quer dizer, um sistema tributário que precisa ser mudado, para que se possa ter maior igualdade no País.

Acredito que o PT só seguiu os mesmos esquemas que o PSDB tinha de corrupção. Pra nós, são corruptos, pessoas que dilapidaram o patrimônio

O Brasil, num ranking de 140 países, é o 10º mais desigual, equivalente a países africanos. E o sistema tributário é algo que contribui para isso. Por exemplo, na questão dos lucros e dividendos, em 1996 foi feita uma modificação na legislação que isentou os lucros e dividendos da tributação do Imposto de Renda. Então, os trabalhadores continuam pagando Imposto de Renda sobre suas remunerações e as pessoas que retiram lucros e dividendos de suas empresas são isentas. Sistema tributário que favorece a desigualdade. 

– Falando em esquerda, o principal líder da esquerda, que é o ex-presidente Lula, está preso. O que o senhor acha disso?

Procurador Mauro – A gente sabe que os partidos têm uma determinada linha, mas ela não é homogênea. Eu tenho uma crítica muito grande com relação ao encaminhamento que o PSOL teve nesse sentido de se aproximar do lulismo e do petismo. Acredito que o PT só seguiu os mesmos esquemas que o PSDB tinha de corrupção. Pra nós, são corruptos, pessoas que dilapidaram o patrimônio. Tanto que, quando participei da fundação do PSOL, era exatamente quando o PT tinha desviado do caminho da esquerda, propondo a reforma da Previdência, diversas medidas que não considerávamos corretas. Vejo essa aproximação como um erro de encaminhamento da direção nacional. Não vejo o PT como um partido de esquerda. 

– Então o senhor é contrário a uma eventual candidatura do Lula à presidência?

Procurador Mauro – Sim. Acredito até que é um equivoco do PSOL ficar tratando de candidatura do Lula, quando na verdade, tem candidatura própria. Penso que o partido tem que se posicionar como uma opção verdadeira de esquerda à população, não essa falsa opção de esquerda.

– O senhor foi candidato nas últimas eleições para prefeito, chegou a liderar pesquisas. Para o segundo turno, foram Emanuel Pinheiro e Wilson Santos. E o primeiro acabou eleito. Que análise faz desse período que Emanuel está à frente da Prefeitura.

Procurador Mauro – Acredito que a população também teve uma grande decepção. Emanuel Pinheiro foi eleito com o voto popular. Mas a população, poucos meses depois, acabou descobrindo aquele vídeo horrível, deprimente, que é a questão do paletó, mostrando uma clara corrupção. O vídeo que mostrou porque ele não estava fiscalizando.

Teve até um debate que perguntei a ele: ‘Por que você não fiscalizou esses desvios públicos?’. Ele disse que estava fiscalizando, sim e disse que eu deveria ter fiscalizado também. Quer dizer: eu que não tinha mandato, tinha que fiscalizar. E ele, com mandato, não estava fiscalizando. Depois vimos porque ele não estava fiscalizando. Pois estava recebendo dinheiro e colocando no paletó.

Acho que, com isso, o mandato dele acabou perdendo legitimidade. Se já era refém da Câmara de Vereadores, ficou mais e você acompanha que não tem melhoras no serviço público. Por exemplo, uma grande questão que discutimos na eleição de 2016 foi a do transporte público. O eleitor pode analisar: que mudança houve no transporte coletivo de Cuiabá nesse tempo? Nenhuma. A licitação continua sendo empurrada. Na Saúde, todos os dias a mídia mostra pessoas morrendo por falta de atendimento, falta de exames. O que houve de mudança efetiva? O novo Pronto-Socorro até agora não ficou pronto. A gente vê que o Município continua patinando.

– Na sua opinião, é temeroso ter um prefeito como Emanuel – levando em conta essa questão do paletó – cuidando do orçamento do Município?

Procurador Mauro – Com certeza. Acho que isso é um dos problemas do Brasil. Como é que alguém, numa situação dessas, pego numa situação dessas de corrupção, continua sendo prefeito e com a chave do cofre do Município. É algo totalmente inaceitável. Um problema do Brasil. Perigo mesmo muito grande, controlar os cofres alguém que já foi pego numa situação dessas.

– Se o senhor tivesse sido eleito prefeito, a situação seria outra?

Procurador Mauro – Com toda certeza. Pontos que trabalhamos muito foi a questão da saúde e do transporte. Estaria melhor, teríamos resolvido essa questão do transporte coletivo, ou com uma licitação para contratação de empresas que verdadeiramente prestassem um serviço de qualidade ou estatizando para o Município tocar esse processo. É um serviço que dá lucro, tanto que os empresários não deixam de trabalhar. O Município poderia perfeitamente assumir esse papel.

E também a saúde. A primeira vez que fui candidato a prefeito, em 2008, os recursos que Cuiabá aplicava na Saúde eram mais ou menos 15% da receita. Foi aumentando, já está em 30% e a Saúde não melhora. Quer dizer, problema grave de gestão. Sequer há clareza para saber onde esses recursos estão sendo aplicados. Assim como Taques, é uma gestão que só continuou o que já vinha sendo feito, as mesmas práticas e as coisas acabam não melhorando.

– Recentemente o senhor fez algumas críticas em relação à Lei Kandir [que isenta de ICMS as commodities]. Queria que o senhor nos explicasse o que defende. Caso eleito, deve propor mudanças?

Procurador Mauro – Primeira coisa: já que tem essa isenção para os produtos primários que vão a exportação, o Estado deveria ser ressarcido integralmente dessa isenção. Na verdade, a Lei Kandir é um incentivo fiscal que a União deu numa Lei Complementar mas que quem paga a conta são os Estados. A União deveria repor integralmente essa diferença.

Ao mesmo tempo, o Brasil vem sofrendo um processo de desindustrialização. E muita gente aponta a Lei Kandir como uma causa disso. Hoje o que existe é um incentivo para que você não industrialize. Um incentivo para que você exporte só grãos in natura. A participação da indústria na economia do Brasil vem decrescendo. É uma questão a ser discutida. Na minha visão, a lei é um incentivo fiscal às avessas. Você incentivas a pessoa a não industrializar, a não se desenvolver.

Evidente que aquele senador, aquele deputado do agronegócio, vai dizer: “Não, de jeito nenhum”. Mas o cidadão que paga conta de luz, conta de telefone, combustível, paga ICMS em valores altíssimos. E toda uma atividade que não paga acaba sendo um problema para Mato Grosso. Um Estado riquíssimo, com produção econômica grandiosa, mas que não chega ao cidadão, em serviços públicos de qualidade.
AlairRibeiro/MidiaNews
"Muita gente acha que a função da tributação é apenas para as despesas do Estado. Mas não, uma das funções é a redistribuição das riquezas"

Muita gente acha que a função da tributação é apenas para as despesas do Estado. Mas não, uma das funções da tributação é a redistribuição das riquezas. Você tributa quem tem mais para que você possa ter distribuição de riqueza. Imagine: os valores de toda essa produção, toda essa riqueza acaba concentrado apenas nas mãos de poucos. Temos aí muitos milionários, bilionários do agro, enquanto você tem nas periferias pessoas morrendo de fome, sem nenhum socorro do Estado. 

– Ainda em relação a esse tema, diante da dificuldade do Estado, há pouco tempo começou uma discussão em relação a tributação do agronegócio. Mato Grosso do Sul tem um modelo misto, que tributa uma parte, outra não. Alguns segmentos foram muitos favoráveis, como a UFMT, mas a classe política que detém a possibilidade de mudar foi contra. O senhor é a favor da tributação do agro?

Procurador Mauro – Sim. Como eu disse, precisamos de uma reforma tributária, porque o sistema está voltando para isentar quem tem muito e cobrar das pessoas que têm pouco.

– Em relação essa taxação do agro, qual seria o modelo viável?

Procurador Mauro – Não temos um modelo formado, pronto e acabado. Entendo que precisamos rediscutir essa questão. Embora seja algo Estadual, mas acho que o principal é discutir com a sociedade. Não temos um projeto pronto e acabado. Mas temos que discutir com clareza.

– Uma das defesas do candidato à presidência do seu partido, Guilherme Boulos, é a relativização do direito à propriedade, permitindo a ocupação de imóveis que não cumprem seu papel social. O senhor também tem esse pensamento? O senhor também faz essa defesa?

Procurador Mauro – Na verdade, essa questão da propriedade que não cumpre sua função social é algo que está na Constituição. O problema é que, quando você pega nos últimos anos, propriedades rurais, urbanas, não existe um trabalho feito nesse sentido, porque as pessoas não têm privilegiado a população. A questão dos assentamentos, a União, ano após ano, tem assentado menos pessoas. E é uma função constitucional, existe o Ministério da Reforma Agrária. Não é algo que só o partido esteja defendendo. Nesse ponto, em específico, a defesa do partido é que se cumpra aquilo que está previsto na Constituição.

Não pode ter imóveis só para especular, só para lucro. Estudos mostram que a quantidade de imóveis vazios no Brasil é maior que o déficit habitacional. Uma coisa, no mínimo, estranha.

Em Cuiabá, já se fala em revisão do Plano Diretor pra ampliar a cidade, enquanto a cidade tem diversos espaços vazios imensos que a gente sabe que estão servindo só para especulação.

– Então o senhor apoia essas ocupações de imóveis urbanos, de terras?

Procurador Mauro – Em algumas situações, sim. Como por exemplo, quando o movimento é de fato legítimo e não está estruturado apenas para atender algumas pessoas. Eu mesmo cresci no Bairro Planalto, que era um assentamento. Temos Doutor Fábio, Altos da Serra, que eram ocupações. Pessoas foram lá e ocuparam aqueles espaços. E hoje são bairros. Jardim Flórianópolis, Novo Paraíso, todos ocupações. Era um problema urbano, Cuiabá não tinha moradia e as pessoas ocuparam essas áreas. Quer dizer, vai dizer que as pessoas que moram ali não são legitimas? Existe ocupações legítimas, sim.

– Inclusive com várias figuras publicas que incentivaram isso, como o próprio Dante de Oliveira.

Procurador Mauro – Exatamente. Na verdade, os movimentos sociais surgem exatamente quando você está chegando num limite. Aquele momento era importante, você tinha Cuiabá, na década de 80 para 90, uma explosão de crescimento populacional e a cidade não cresceu. Você vê diversos bairros que são fruto de ocupação, pois as pessoas estavam mobiliadas para conseguir sua moradia. 

Cada eleição é um aprendizado. Costumo brincar que somos os maiores especialistas do Brasil a fazer campanha sem dinheiro

MidiaNews – O senhor falou que foi candidato pela primeira vez em 2006. Quantos anos tinha e de lá pra cá disputou quais eleições? 

Procurador Mauro – Tinha 30 anos. Em 2006, candidato a governador; 2008, prefeito; 2010, senador; 2012, prefeito; 2014, deputado federal; 2016, prefeito e agora em 2018, senador.

– O que isso lhe trouxe de bagagem, experiência?

Procurador Mauro – Cada eleição é um aprendizado. Costumo brincar que somos os maiores especialistas do Brasil a fazer campanha sem dinheiro. Temos conseguido fazer as campanhas, tocar com poucos recursos. Fora isso, a experiência política. E também algo que nos fortalece é que cada vez mais temos encontrado no dia-a-dia, nas ruas, pessoas que conversam comigo, fazem uma sugestão, uma crítica, um elogio. Tudo isso é muito importante. É algo que acho que acrescentou muito na minha vida.

Vim de uma infância muito pobre, me formei em Direito, no ano de 2000. Em 2001, passei num primeiro concurso, em 2002 passei no concurso para procurador e 2003 tomei posse como procurador. Naquele momento, em tese, em teria chegado numa posição elevada, um cargo bem remunerado e poderia pensar exclusivamente só na minha vida.

Mas cheguei à conclusão de que não posso pensar em mim, tenho que pensar nas pessoas. Vim de uma infância pobre, quem pagou minha escola, minha faculdade - ambas públicas - foram as pessoas que pagam seus impostos. Não posso chegar agora, falar sou procurador, vou cuidar da minha vida, pensar só em mim. Sempre soube que a política é o caminho pra você conseguir modificar as coisas. Então, decidi entrar pra política, militar politicamente para tentar ajudar a melhorar o mundo. E vejo que, mesmo não ganhando a eleição, você contribui para o debate, para que as pessoas vejam as coisas, exijam seus direitos. 

– Queria que o senhor dissesse por que merece o voto de confiança do eleitor mato-grossense para ser eleito senador?

Procurador Mauro – Acredito que mereço o voto do eleitor porque nós temos demonstrado, na nossa prática política, na nossa história de vida, que estamos realmente interessados em representar os interesses do povo. Não quero cargo só pelo cargo, para ter posição. Acredito que nós precisamos de representação. Estamos colocando nosso nome para representar as pessoas que estão desacreditadas, desesperançadas. Mas sei que somente na política nós vamos conseguir mudar as coisas.

Penso que mereço ser senador, pois tenho preparo, a liderança, as qualidades que são necessárias para que no Senado Federal a gente bem represente a população de Mato Grosso.


 Por Alair Ribeiro/MidiaNews
CAMILA RIBEIRO

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