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segunda-feira, abril 26, 2010

CRISE DA ÉTICA - Sociedade povoada de vilões

É verdade que o mundo enfrenta um colapso em seus valores morais? Pode ser que não, mas a bandidagem parece à vontade para chocar o senso comum com sua “liberdade total”


DANIN JÚNIOR

Fotos: Reprodução

O bilionário Bernard Madoff cometeu um desvio de conduta “clean”, mas muito nocivo à sociedade e deveria ser considerado tão bandido quanto o “maníaco de Luziânia”

Está no noticiário das mazelas cotidianas, transborda nas redes sociais da rede mundial de computadores, ocupa páginas e mais páginas inclusive de publicações especializadas em temas mais densos e, claro, no calor das disputas político-eleitorais: o mundo contemporâneo parece viver uma inadiável crise de va­lores éticos. De forma quase ge­ne­ralizada, a humanidade parece estar perdendo algumas referências de comportamento que, até uma geração atrás, eram conside­radas intocáveis. Em alguns momentos é como se o próprio conceito de “humanamente aceitável” já não fosse mais distinguível ao olho nu do cidadão que enfrenta o dia-a-dia. O que está acontecendo? O que deve ser feito pela sociedade para ultrapassar e sair melhorada desse desafio?
Ética já frequentou a doutrina de regimes políticos e foi bandeira de partidos que, ao chegarem ao poder, precisaram rever seus conceitos, sempre em nome da tal governabilidade. Trata-se de um conceito amplo que é popularmente confundido com a ideia de “moral”, mas que, doutrinariamente, recebeu uma distinção específica. Enquanto “moral” diz respeito a determinado conjunto de normas e valores que guiam o indivíduo em suas decisões cotidianas, a “ética” reside no campo teórico de algumas ciências — como a do direito e da filosofia. Esse estudo tem como escopo ordenar teoricamente os costumes de cada sociedade, explicando sua influência sobre o comportamento dos indivíduos e até mesmo oferecendo meios (também teóricos) para dirimir os inevitáveis conflitos da vida em grupo. Muito resumidamente, a ética estuda a moral tanto do ponto de vista individual quanto coletivo.
Essa distinção doutrinária possui nuances, o que também colaborou para a confusão que o senso comum tem para os dois termos. Para a filosofia do direito, por exemplo, costuma-se simplificar a diferença: moral é o conjunto de ações socialmente aceitas, enquanto que a ética é mais sistêmica, coletiva ou grupal. Essa discussão semântica procede porque é preciso especificar se a crise, da qual fala esta análise, tem a ver com conflitos de foro íntimo ou com uma pane mais ampla. Como se viu na abertura, adota-se aqui o termo “crise ética”, emprestando o conceito que tradicionalmente é pontificado no estudo filosófico do direito. Ou seja, por se tratar de um fenômeno social, o interesse é da ética enquanto ferramenta teórica fundamental para, justamente, ajudar a tirar a sociedade desse buraco.
Que crise?
E que crise é essa? Suas manifestações são amplas. Podem estar na mentira contumaz do político, na explosão de casos de pedofilia (inclusive na igreja), na “guerra civil” do Rio de Janeiro ou de outro grande centro. Mas também está no nosso quintal, como aconteceu há menos de duas semanas, no impressionante relato do jovem trabalhador Thiago da Costa Fernandes, de Anápolis. Segundo ele, dois soldados da PM detonaram, por motivos banais, duas bombas amarradas ao seu corpo. Com 26 anos e pai de duas filhas, Fernandes pode perder uma das mãos graças ao suposto ato de sadismo. Nesse caso, o crime em si foi pavoroso, mas o fato mais chocante talvez seja a indiferença com que foi absorvido pela sociedade — nenhuma manifestação coletiva nas ruas ou em alguma sede da Polícia Militar. A notícia foi engolida rapidamente, como tantas outras que invadem o “mondo cane” dos telejornais todos os dias. Misturou-se ao noticiário do “maníaco de Luziânia”, que se suicidou na cadeia, depois de confessar tranquilamente a morte de seis jovens dos quais era vizinho.
O “serial-killer” dá mais ibope, provavelmente porque assusta mais. Assusta pela frieza com que trata suas vítimas em série. Assusta mas, teoricamente, não deveria. A ética ajuda a explicar esse paradoxo. A pressão da sociedade na formação moral do indivíduo pressupõe que a maioria respeite suas regras. O psicopata seria a exceção. Por isso, eticamente, a suposta barbárie envolvendo policiais de Anápolis deveria ser mais atemorizante. Ela teria força para nos tirar da zona de conforto, cuja sensação (muitas vezes fantasiosa) é a de que, juntos (com outros seres humanos), estamos seguros. O mesmo raciocínio pode embalar as barbáries cometidas pelo contingente cada vez maior de adictos a drogas pesadas. Freud discordava desse ponto de vista por considerar o controle moral (o superego, segundo sua teoria) como um dos maiores propulsores de neuroses, mas isso é outra história.
Anestesia
O que interessa é observar o quanto nos acostumamos (ou nos anestesiamos) diante de tantos ataques ao “acordo” tácito da moral. Os eventos violentos são os primeiros a vir à mente, até pelo fato de serem os preferidos da mídia. Para alguns observadores, esse eventual colapso ético é um fenômeno quase inteiramente restrito aos meios de comunicação — que, segundo eles, precisam do sensacionalismo. Mas não só do aumento da violência vivem os distúrbios morais coletivos. Recentemente, a economia da maioria dos países foi vitimada por uma crise financeira, cuja origem remonta aos desvios éticos cometidos por imensas instituições de crédito, sediadas principalmente nos Estados. Somente um desses escândalos, provocado pelo investidor Ber­nard Madoff, provocou um rombo de 50 bi­lhões de dólares.
Foi a maior fraude que se tem notícia nos Estados Unidos (e no mundo). Consistia em uma espécie de pirâmide (tipo de falcatrua que volta e meia ainda pega incautos por aí, principalmente aqueles que gostam de aves grandes). Madoff foi preso e condenado a 150 anos de prisão — no Brasil, será que cumpriria ao menos um ano no xilindró? Seu tipo de desvio moral parece “clean” se comparado ao do “maníaco de Luziânia”. Novamente, é a ética que pode conferir outro tipo de “atenuante” para o eventual sociopata. A fraude de Madoff levou milhões de pequenos in­vestidores à bancarrota e che­gou a “contribuir” para aumentar o número de suicídios em 2009. Segundo especialistas, a crise de 2008/2009 deve atrasar o desenvolvimento mundial em cerca de dez anos. É muito mais gente desempregada e com fome.
Para cobrar bons modos dos políticos, eleitor tem de fazer o seu dever de casa
No final de março, o tucano José Serra deixou o governo de São Paulo para se candidatar a presidente da República surpreendendo os observadores políticos. Até então, ele mantinha uma postura um tanto ambígua com relação ao campo adversário. Evitava pole­mizar até mesmo para não esbarrar na alta popularidade do presidente Lula da Silva e abrir flancos para ataques. No entanto, em seu discurso de despedida do Palácio dos Bandeiran­tes, as coisas mudaram. Teceu críticas indiretas à admi­nistração petista, centrando-se em um ponto fundamental: a política vive uma crise ética que precisa ser dissolvida o mais rápido possível.
“Estou convencido de que as pessoas têm de ter honradez”, disse Serra. Dizendo que seu go­verno tinha “caráter”, deu a entender que seus adversários convivem tranquilamente com a falta de ética. “O governo tem de ter honra. Assim falo porque aqui não se cultivam escândalos, malfeitos ou roubalheiras. Nunca in­centivamos o silêncio da cum­plicidade ou conivência com o mal­feito.”
A reação de sua principal concorrente, a ex-ministra Dilma Rousseff foi imediata — o timing para respostas por parte da protegida de Lula, aliás, está afiadíssimo. Segundo ela, o debate ético favorece o PT, pois a explosão de tantos escândalos nos últimos anos se deve à abertura dada pelo governo para investigações. Reforçando a estratégia de colar a imagem de Serra ao ex-presidente Fernando Henrique, comentou que na era tucana, a Procuradoria-Geral da República se notabilizou por engavetar denúncias polêmicas.
Rousseff tem de se defender como pode, mas o certo é que deveria engatar outro assunto quando o tema da ética estiver em discussão. Por mais que o PT tenha conseguido (com muito sucesso) impor a estratégia de “farinha do mesmo saco” nos buracos éticos em que se meteu na administração de Lula, alguns pontos não podem ser esquecidos. O “mensalão” talvez tenha sido o maior es­cândalo confesso de corrupção na his­tória política do país — e dentro da cozinha do Palácio do Planalto. Além disso, a própria Rousseff colocou um te­lhado de vidro sobre si ao contar histórias sem cabimento. Os blogs ligados ao PSDB pegam no pé da ex-ministra por conta da ingênua mentiri­nha de sua formação acadêmica. Deveriam eram indagar por que o governo Lula faz tanta bravata em torno do PAC, um programa, até agora, praticamente fictício.
Serra tem razão quando coloca a ética no centro do debate eleitoral. O eleitor brasileiro não pode mais admitir que um governante lave as mãos diante de desvios de conduta de seus colaboradores. A alegação de que “não sabia de nada” não pode colar mais. Se não sabia é porque foi incompetente. Se sabia, foi co­nivente. Há alguns dias, FHC recomendou uma autocrítrica ao PT quando ao posicionamento programático sobre a globalização. Deveria ter sugerido mais uma: o partido e o presidente precisam parar de defender seus filiados que têm culpa no cartório.
O eleitor também precisa acordar e perceber sua parcela de culpa nesse aspecto político da crise geral de ética. A?mídia continua tratando-o como um santo que não quer ver. Um exemplo é a comoção generalizada quando estoura um escândalo envolvendo contri­buições para campanhas eleitorais, como se não se soubesse para onde vão esses recursos “não-contabilizados”. O eleitor sabe quanto custa o seu voto em dinheiro, mas precisa aprender logo o quanto ele vale para a história.
“Mentiras” de Dilma Rousseff estão espalhadas pela internet
O blog “gen­te­que­men­te.org.br” não po­de ser con­si­de­ra­do im­par­ci­al. A vin­cu­la­ção com os ad­ver­sá­rios do PT, ali­ás, é dei­xa­da às cla­ras lo­go na pá­gi­na ini­ci­al, com um link pa­ra o si­te ofi­ci­al do PSDB — um jo­go lim­po que ra­ra­men­te acon­te­ce no mun­do vir­tu­al. Mes­mo as­sim, eles pres­tam um ser­vi­ço re­le­van­te pa­ra quem de­se­ja re­lem­brar al­gu­mas das men­ti­ras pre­ga­das pe­lo lu­lis­mo. Uma das se­ções fi­xas é a “Pi­no­qui­o­te­ca”, uma im­per­dí­vel co­le­tâ­nea com de­ze­nas de fla­gran­tes do pre­si­den­te. Eles tam­bém re­u­ni­ram al­gu­mas fal­si­da­des co­me­ti­das por Dil­ma Rous­seff. O post foi co­lo­ca­do no ar no se­gun­do se­mes­tre de 2009, é pos­sí­vel que es­te­ja de­sa­tu­a­li­za­do. Co­mo a ex-mi­nis­tra diz que o de­ba­te éti­co lhe é tão fa­vo­rá­vel, va­le a pe­na re­lem­brar e fi­car aten­to.
- Dil­ma dis­se que era mes­tre pe­la Uni­camp no si­te da Ca­sa Ci­vil e na Pla­ta­for­ma Lat­tes: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: Dil­ma Rou­seff não ob­te­ve o tí­tu­lo de mes­tre, con­fir­mou a Uni­camp.
- Dil­ma dis­se que era dou­to­ran­da pe­la Uni­camp no si­te da Ca­sa Ci­vil e no Sis­te­ma Lat­tes: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: Dil­ma não é dou­to­ran­da, pois te­ve sua ma­trí­cu­la can­ce­la­da em 2000, por fal­ta de ins­cri­ção, e aca­bou ju­bi­la­da pe­la Uni­camp.
- Dil­ma dis­se na Pla­ta­for­ma Lat­tes que ob­te­ve o mes­tra­do da Uni­camp com uma dis­ser­ta­ção so­bre “Mo­de­lo Ener­gé­ti­co do Es­ta­do do Rio Gran­de do Sul”: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: Dil­ma não apre­sen­tou dis­ser­ta­ção nem ob­te­ve mes­tra­do na Uni­camp.
- Dil­ma dis­se que não con­clu­iu o mes­tra­do por­que as­su­miu a Se­cre­ta­ria da Fa­zen­da da Pre­fei­tu­ra de Por­to Ale­gre: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: Dil­ma só as­su­miu o car­go de se­cre­tá­ria da Fa­zen­da em 1986, três anos de­pois de ter dei­xa­do o cur­so de mes­tra­do, se­gun­do in­for­mou ofi­ci­al­men­te a Ca­sa Ci­vil.
- Dil­ma dis­se que não sa­bia das in­for­ma­ções men­ti­ro­sas em seu cur­rí­cu­lo: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: Pe­lo me­nos em du­as oca­si­ões públicas, quan­do foi en­tre­vis­ta­da pe­lo pro­gra­ma “Ro­da-Vi­va”, da TV Cul­tu­ra, presidenciável do PT ou­viu im­pas­sí­vel as mes­mas men­ti­ras so­bre seu cur­rí­cu­lo aca­dê­mi­co pu­bli­ca­das pe­lo si­te da Ca­sa Ci­vil e pe­la Pla­ta­for­ma Lat­tes. Por que o slêncio?
- Dil­ma dis­se que foi pre­sa por cri­me de opi­ni­ão: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: Co­mo lem­bra o jor­na­lis­ta Elio Gas­pa­ri, “pre­sos e con­de­na­dos por cri­me de opi­ni­ão fo­ram o his­to­ri­a­dor Caio Pra­do Jú­ni­or e o de­pu­ta­do Chi­co Pin­to, Dil­ma Rous­seff mi­li­tou em du­as or­ga­ni­za­ções que, pro­gra­ma­ti­ca­men­te, de­fen­di­am a lu­ta ar­ma­da pa­ra ins­ta­lar um Go­ver­no Po­pu­lar Re­vo­lu­ci­o­ná­rio (Co­li­na, abril de 1968) ou um Go­ver­no Re­vo­lu­ci­o­ná­rio dos Tra­ba­lha­do­res, ex­pres­são da Di­ta­du­ra do Pro­le­ta­ri­a­do (VAR-Pal­ma­res, se­tem­bro de 1969).”
- Dil­ma dis­se que não par­ti­ci­pou da lu­ta ar­ma­da, que não foi ter­ro­ris­ta: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: O tam­bém ex-guer­ri­lhei­ro Darcy Ro­dri­gues tes­te­mu­nha que uma das fun­ções de Dil­ma era in­di­car o ti­po de ar­ma­men­to que de­ve­ria ser usa­do nas ações e in­for­mar on­de po­de­ria ser rou­ba­do. “Só em 1969 ela or­ga­ni­zou três ações de rou­bo de ar­mas em uni­da­des do Exér­ci­to, no Rio”. A pró­pria Dil­ma que con­tou, em en­tre­vis­ta: “Eu e a Ce­les­te [Ma­ria Ce­les­te Mar­tins, ho­je sua as­ses­so­ra] en­tra­mos com um bal­de; eu me lem­bro bem do bal­de por­que ti­nha mu­ni­ção. As ar­mas, nós en­ro­la­mos em um co­ber­tor. Le­va­mos tu­do pa­ra a pen­são e co­lo­ca­mos em­bai­xo da ca­ma. Era tan­ta coi­sa que a ca­ma fi­ca­va al­ta. Era uma di­fi­cul­da­de pa­ra nós du­as dor­mir­mos ali. Mui­to des­con­for­tá­vel. Os fu­zis au­to­má­ti­cos le­ves, que ti­nham so­bra­do pa­ra nós, es­ta­vam to­dos lá. Ti­nha me­tra­lha­do­ra, ti­nha bom­ba plás­ti­ca. Con­tan­do is­so ho­je, pa­re­ce que nem foi co­mi­go”.
- Dil­ma dis­se que não ti­nha fei­to um dos­siê so­bre gas­tos pes­so­ais da dra. Ruth Car­do­so e do ex-pre­si­den­te Fer­nan­do Hen­ri­que Car­do­so: MEN­TI­RA!
A VER­DA­DE: Dil­ma in­for­mou, em um jan­tar com 30 em­pre­sá­rios, que o go­ver­no es­ta­va co­le­ci­o­nan­do con­tas de FHC con­si­de­ra­das in­cri­mi­na­tó­ri­as. O jan­tar ocor­reu um mês an­tes da mi­nis­tra ten­tar jus­ti­fi­car co­mo “ban­co de da­dos” o dos­siê pro­du­zi­do pe­la Ca­sa Ci­vil.

Jornal Opção

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