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terça-feira, junho 27, 2017

Artigo: E agora, Brasil?

Rui Perdigão
Dias atrás um colega universitário perguntou-me qual a minha opinião sobre o Brasil. De imediato indaguei sobre se se referia a alguma situação em particular, mas ele falou que não, que era sobre tudo. Entretanto fomos interrompidos, impossibilitados de continuar. Mais tarde, já em casa, aquela pergunta voltou em mim e nesse preciso momento recordei meus avôs maternos, eles prontamente teriam sabido responder a esse questionamento. Ao deitar, enquanto meu avô lia o dicionário de língua portuguesa, minha avó fazia suas leituras religiosas e essa busca por alguma compreensão fez-me lembrar que o presente nada mais é que a construção do amanhã.

Na elaboração da resposta ao meu colega, logo pretendo evitar uma abordagem histórica, não por ser português, mas principalmente por considerar que, em boa medida, aprendemos a história para melhor nos libertarmos dela. Nesse sentido, procuro também me livrar das muitas ofensas que dia a dia inúmeros políticos e magistrados escrevem e cospem em cima de mim, com a maior cara de pau. Com esse afastamento, posiciono-me igual um satélite que de lá de cima registra com nitidez a existência de um modelo socioeconômico hegemônico que atropela toda a humanidade e avança velozmente numa exponencial progressão tecnológica. Porém, essa visão acaba por me despertar mais perguntas do que respostas. Com a globalização estamos a construir o estado-região com a conseqüente perda de identidade e soberania? Os vertiginosos desenvolvimentos biogenéticos e de inteligência algorítmica, vêm substituir o já degradado valor do trabalho vivo e com isso atribuir de vez a desigualdade? O atual modelo civilizacional está na versão limite e as suas insanáveis contradições implodi-lo-ão? Com estas e outras questões pairando na minha cabeça, sinto a necessidade de focar a resposta em terreno concreto. Ao pousar, rápido observo um território brasileiro pujante com um povo lindo, detentor de uma longa história de luta. E essa perspectiva oferece-me boa parte da resposta. O Brasil pode fazer o que quiser com o seu futuro, pode manter-se ou mudar, depender ou emancipar-se, basta ao povo decidir.

No entanto, a decisão coletiva passa pelo comprometimento individual de cada um. E acreditem, não somos todos corruptos, por muito que se tente colar esse sentimento a toda uma sociedade, como forma de socializar os atos de corrupção praticados por uma elite e seus fedorentos discípulos. Repudio veemente assemelhar o atravessamento de uma rua com sinal vermelho ou furar uma fila com o roubo de milhares e milhões dos cofres públicos. Decididamente não partilho essa responsabilidade e se pudesse não pagaria também esse custo, assim como também não autorizo ninguém a me taxar de vira-lata. É obvio que não podemos perder de vista bandido ou infrator costumaz, mas não podemos deixar que eles condicionem nossas opções e decisões. O Brasil é grande e precisa pensar grande. E precisa também não cair no conto do vigário oportunamente difundido em cadeia nacional pelo seriado “os dias eram assim” que de mansinho vai alojando no nosso subconsciente a ideia de que os dias de hoje já não são mais assim, que os dias de hoje já não precisam de luta, que somos todos livres e que tudo está bem dentro de um simulacro de democracia. É falso. O momento do Brasil é de luta séria, luta por consciência, luta por igualdade e por mudança. Quem anda distraído pouco ou nada pode, e quem quer, necessita compreender para transformar e aprender a agir com aquilo que tem.

Eu próprio preciso reconhecer as minhas dificuldades em corresponder, não só pela falta de sabedoria sobre a complexidade do todo, mas principalmente pela minha limitação em conseguir interiorizar recentes paradigmas que vou retendo há porta, mas que teimam querer entrar. O consórcio do poder, o trabalhador empreendedor, a cidadania participativa, todos eles logo me alergiam na pele. Não sei explicar o porquê, porém, uma coisa hoje eu sei, responderei aquela pergunta dizendo-lhe, a luta continua.

Rui Perdigão – Administrador, consultor e presidente da Associação Cultural Portuguesa de Mato Grosso

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