Vinte pessoas foram indiciados pela fraude na Sefaz, na emissão de cartas de crédito
O delegado Jean Pacolla, que investigou o caso; no detalhe, o acusado Ocimar Campos
O relatório final do inquérito da Operação Cartas Marcadas, feito pela Polícia Civil, aponta que parte dos R$ 493,9 milhões desviados dos cofres públicos foi usada para comprar carros e imóveis luxuosos por, pelo menos, dois dos indiciados, acusados de envolvimento no esquema.
São eles o suplente de deputado estadual Gilmar Fabris (PSD) e o advogado Ocimar Carneiro de Campos, concunhado do parlamentar.
De acordo com o relatório - assinado pelos delegados Carlos Fernando da Cunha Costa, Rogers Elizandro Jarbas, Liliane Muratta e Jean Marco Paccola, da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Fazenda Pública (Defaz) -, Ocimar atuava como “testa-de-ferro” de Fabris, e repassou R$ 46 milhões em cartas de crédito para a companheira do deputado, Anglisey Battini Volcov.
"Fabris se beneficiou financeiramente do referido desfalque, pois sua convivente, Anglisey Battini Volcov, recebeu de Ocimar Carneiro de Campos aproximadamente R$ 46 milhões em certidões de crédito"
As cartas foram emitidas para quitar uma dívida trabalhista com os Agentes de Administração Fazendária (AAF) da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz).
Porém, segundo a polícia, Ocimar se apossou da maior parte do valor devido aos servidores, a título de honorários e sob o pretexto de facilitar a comercialização das certidões.
“O advogado Ocimar Carneiro de Campos (casado com a irmã da convivente de Gilmar Donizete Fabris) foi peça fundamental na ação criminosa, pois, sob a falsa promessa de que intermediaria a negociação entre o Saafemt [sindicato da categoria] e o Estado de Mato Grosso, foi colocado à frente de todas as medidas relacionadas à Ação Ordinária nº 30.884/96 e os direitos dela decorrentes, entretanto, de fato seu papel era encobrir as ações de Gilmar Donizete Fabris, servindo, conforme comprovado nos autos, como testa-de-ferro do referido deputado estadual”, diz trecho do documento.
O relatório aponta, ainda, que Fabris “se beneficiou financeiramente do referido desfalque, pois sua convivente, Anglisey Battini Volcov, recebeu de Ocimar Carneiro de Campos, em um primeiro momento na modalidade de cessão de crédito, e posteriormente retificados para doação, aproximadamente R$ 46 milhões em certidões de crédito, as quais foram, quase na sua totalidade, comercializadas e integraram processos de compensação junto à PGE [Procuradoria Geral do Estado] de Mato Grosso, sendo parte do montante arrecadado utilizado na aquisição de veículos automotores e imóveis de alto luxo”.
O delegado Rogers Jarbas disse, em entrevista à TV Centro América, sem citar nomes, que alguns envolvidos no esquema tinham um padrão de vida elevado e ostentavam carros e casas luxuosos.
“Determinadas pessoas chegaram a ter seis veículos de luxo, que custavam em torno de R$ 300 mil cada. Também compraram imóveis de luxo em praias como Jurerê Internacional [em Florianópolis]”, disse o delegado à TV.
"Determinadas pessoas chegaram a ter seis veículos de luxo, que custavam em torno de R$ 300 mil cada"
Honorários de 64%
Os delegados afirmaram, no relatório, que Ocimar recebeu cerca de 64% do valor devido aos AAF, ou cerca de R$ 1,5 milhão de cada servidor, quando ele deveria ter recebido R$ 470 mil de cada, ou seja, 20% a título de honorários advocatícios, conforme previsto no contrato.
No relatório, foi destacado o caso de uma pensionista, Maria Aparecida Oliveira, viúva de Cândido Mariano Corrêa da Costa, que teve R$ 1,7 milhão creditado em sua conta, sendo que ela ficou com apenas R$ 500 mil – o restante, cerca de R$ 1,2 milhão, foi transferido no mesmo dia para a conta corrente de Ocimar.
Consta no relatório que Ocimar e o presidente do sindicato dos AAF, João Vicente Picorelli, forçaram os servidores a emitirem as procurações com plenos poderes para que as cartas de crédito fossem retiradas e negociadas no mercado por eles – o servidor que se recusasse não poderia aderir ao acordo milionário feito com o restante da categoria.
“A intenção do grupo criminoso era se apossar do maior número possível de certidões de crédito (cujos titulares legítimos eram os AAF), as quais seriam (como de fato foram) comercializadas a várias empresas para compensação junto ao Estado de Mato Grosso”, diz trecho do relatório.
Esquema e indiciados
De acordo com o inquérito policial, pelo acordo trabalhista firmado entre o Estado a os AAFs, em 2008, seriam expedidas duas certidões de créditos a cada servidor. Entretanto, foram emitidas sete, das quais cada servidor recebeu apenas três.
Eder Moraes: indiciado por formação de quadrilha
O restante, ou seja, quatro delas, acabou sendo retirado junto à Secretaria de Estado da Administração (SAD) por representantes legais constituídos pela categoria, sem que os verdadeiros titulares soubessem. De um total de R$ 647,8 milhões emitidos para quitar a dívida trabalhista, R$ 493,9 milhões foram indevidos, segundo a Auditoria Geral do Estado.
No total, 14 pessoas foram indiciadas pelos crimes de violação de sigilo funcional, falsificação de papéis públicos e formação de quadrilha. Entre elas Eder Moraes (secretário da Fazenda na época dos crimes), Gilmar Fabris, Aglisey Battini Volcov, os advogados Rogério Silveira e Ocimar Carneiro de Campos, além de Enelson Alessandro Nonato, José Constantino Chocair Junior, e Enildo Martins da Silva.
Da Procuradoria Geral do Estado foram indiciados por esses crimes João Virgilio do Nascimento Filho (então procurador-geral), Dorgival Veras de Carvalho (então procurador-geral de Estado) e Nelson Pereira dos Santo (então subprocurador-geral).
Também foram enquadrados nesses crimes os sindicalistas João Vicente Picorelli (então presidente do sindicato dos AAF), Alexandre de Freitas (vice-presidente), e Marcelo de Jesus Fonseca (diretor financeiro).
Outros seis foram indiciados pela prática do crime de falsificação de papéis públicos: o ex-secretário Edmilson José dos Santos, Izaias Camacho Barros, Antônio Leite Barros, Dilmar Portilho Meira (procurador do Estado), Gerson Valério Pouso (procurador do Estado) e Maria Magalhães Rosa (à época procuradora-geral do Estado em substituição).
"Todas as cartas recebidas por Ocimar foram a título de honorários, e ele faz o que quiser com elas. Se eu tenho dinheiro, não vou comprar um casebre na favela ou no Jardim Vitória. Vou comprar carro de luxo. Se eu ganhei o dinheiro honestamente, posso comprar o que eu quiser com ele"
Outro lado
O advogado de Fabris, Anglisey e Ocimar, Paulo Humberto Budoia, negou a acusação de que um dos seus clientes tenha atuado como “testa-de-ferro” do outro. Ele ainda reclamou do fato de não ter tido acesso ao relatório final, apesar de ter requisitado por escrito.
“Isso não consta no inquérito. Se está de fato no relatório final, foi uma ilação do delegado. Não existe no inquérito qualquer menção a laranja ou testa-de-ferro, e não consta que Gilmar Fabris tenha recebido uma carta de crédito sequer”, afirmou Budoia ao MidiaNews.
Ele ainda questionou as menções a carros e casas luxuosas feitas no relatório e na entrevista do delegado Rogers Jarbas.
“Todas as cartas recebidas por Ocimar foram a título de honorários, e ele faz o que quiser com elas. Se eu tenho dinheiro, não vou comprar um casebre na favela ou no Jardim Vitória. Vou comprar carro de luxo. Se eu ganhei o dinheiro honestamente, posso comprar o que eu quiser com ele”, disse.
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